domingo, 17 de março de 2013

NA TRADIÇÃO




A cabeça levantadamente coroada pelos pés
da mulher − é um sinal. De umbigo
a umbigo:
o terceiro coração dos meus passos.
E eu rodo o meu corpo na noite,
rodo na noite o meu corpo
em sentido inverso − e de nascente
a poente as cabeças,
entrelaço nas minhas as tuas pernas,
noite
e lua sobre lua − da gravidez
ao canto.

Rompem as águas o traço dos sinais – a Lua
fechando-se
no terceiro coração dos meus passos.
Atado a duas voltas
e por três nós à roda
do meu corpo – a corda do seu arco.
Rebentam as águas o traço dos sinais,
e eu tomo dos meus passos o caminho
a caminho da árvore grande – longe,
solitária. À sua sombra, sobre as raízes,
darei à luz: o terceiro coração dos meus passos.
Longe, solitária, à sua sombra a favor dos ventos,
sobre as raízes – escavo.
Escavo,
removo a terra como a criança
revolve o meu ventre – a contracção da terra
sob os meus pés, os joelhos, as minhas mãos –
e no meu ventre:
a Lua fechando-se mais e mais, a Lua
lavando-se no traço de águas dos sinais
sobre o terceiro coração dos meus passos.
Duas voltas dá a Terra, e quatro luas – sopram:
sopram
dos fogos a placenta umbilical, o relâmpago –
e eu direi: é uma visão
que exalta o canto. Dizem:
a Terra é quente e sábia para quem nasce.
A Terra é quente e sábia para quem nasce,
oh Lua fechada redonda no meu ventre
desatando-se
pelo terceiro coração dos meus passos,
em minhas mãos surgindo, lento e doloroso,
em sua carne pequena, em seu grito;
oh Lua fechada no meu ventre
desatando-se
pelo cordão de luas e sua força viva, umbilical,
definhando, cortado cerce a lâminas de pedra,
e dado à Terra, à raiz da árvore grande,
e a placenta – dos pés à memória:
esta árvore
e o terceiro coração dos meus passos.


Zetho Cunha Gonçalves
(Poeta/Escritor Angolano)

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