FERNANDO GRADE
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SONATA
EM TORRES VEDRAS
Pelo som que deixavas na água,
seria verde e palha o nosso remorso.
Sizandro vão chamando àquele rio que
melhor se ouve do que cheira. E no outro lado da vila,
por cima das portas, uma criança-vidraça
procura pássaros-com-olhos-de-chuva.
-//-
Estou sempre em viagem,
pronto para excursões de trevo e cidra;
acompanho girafas e animais de pêlo raro
por súbitos caminhos de montanha,
na circunferência dos silvados,
em excitantes corpos viajados.
-//-
Abrem-se janelas sobre o mosto;
alguém berra com manhas de jibóia;
e devagar, na ternura que as coxas insinuam
cobertas de ganga, como moscas de pedra e sexo
-- as raparigas assaltam Torres Vedras e
cantam zumbindo.
-//-
As ancas, céleres, preparam as vindimas,
o colher das cerejas que,
depois, metálicas, cairão a pique no palato.
Aqui teremos todos os bulícios,
oh gengiva de feno.
-//-
Partirei, amanhã, num carro carregado de uvas.
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Torres Vedras
-- 9 de Abril de 1978
(in cadernos de poesia "VIOLA DELTA II".
Coordenação de Fernando Grade.
Julho de 1978, Edições Mic.
In "SAUDADES DE SER ÍNDIO".
Aparato gráfico / Atelier Edições Mic.
Revisão / Ester Pintasilgo.
Edições Mic.
Estoril / Setembro de 1981).
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EM TORRES NOVAS:
A FALÉSIA
Ali no jardim, ao pôr-do-sol,
Sobre este rio (Almonda, de seu nome),
Observo com olhos marítimos a natureza.
Com os mesmos olhos azebrados
Vejo o Almonda como se
Fosse uma falésia, um bocado redondo
De mar; até descubro gaivotas voando
Sobre a sinistra maresia que
Abocanha as casas,
Oh musgo dos telhados.
-//-
Sinto-me como se estivesse na praia,
Num sítio que fosse talvez de heróis e
Sargaços (a Normandia); e o rio ergue-se inteiro
No ar, a todo o comprimento da alma;
É uma navalha bondosa.
-//-
Por entre as flores -- uma rapariga velha
Curte o pacato rosto de quem espera
O namorado que não virá mais.
Da terra sobe um ruído que
Se dilui rápido. Suor castanho? Os passos?
São oa metais que descem sobre
As águas misteriosas do rio.
E por isso a memória agita também as águas
-- Faz companhia.
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Torres Novas
-- 9 de Abril de 1978.
(Ibidem)
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VELHA TERRESTRE COM INCENSO
para o Óscar Lopes
-//-
Vai velha, mas
catita no seu renovado pé-de-dança
tão à flor dos olhos. Alma
lesma.
-//-
Diz ao espelho -- voz off --
que o tempo não entardece
nas ânforas que (ela) teceu.
-//-
Vem de uma viagem longa de cortesãs
e segredos, vai de chapéu
gorrazul onde fica vistosa a baba
do rato.
-//-
Tem por si (velha catita)
as ruas tão de cravos por cruzar
-- o postal lembradiço: Nova Iorca
Madride um cheiro de cebola
preso ao avental.
-//-
Vai de nuvem nova, dente
postiço, nada sabe de Arquimedes
ou Pasteur. Sua filosofia?
Ser uma cabra de
Cristo.
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Estoril -- 12 de Abril de 1977
(in livro de poemas
"SERENATA AO DIABO".
Capa e colagem trabalhada / Fernando Grade.
Desenho ilustrativo / António Ole.
Foto / A. F. de Sousa.
Revisão / Edições Mic.
Edições Mic / Estoril / Abril de 1978)
Vai velha, mas
catita no seu renovado pé-de-dança
tão à flor dos olhos. Alma
lesma.
Diz ao espelho -- voz off --
que o tempo não entardece
nas ânforas que (ela) teceu.
Vem de uma viagem longa de cortesãs
e segredos, vai de chapéu
gorrazul onde fica vistosa a baba
do rato.
Tem por si (velha catita)
as ruas tão de cravos por cruzar
-- o postal lembradiço: Nova Iorca
Madride um cheiro de cebola
preso ao avental.
Vai de nuvem nova, dente
postiço, nada sabe de Arquimedes
ou Pasteur. Sua filosofia?
Ser uma cabra de
Cristo.
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Estoril -- 12 de Abril de 1977
(in livro de poemas
"SERENATA AO DIABO".
Capa e colagem trabalhada / Fernando Grade.
Desenho ilustrativo / António Ole.
Foto / A. F. de Sousa.
Revisão / Edições Mic.
Edições Mic / Estoril / Abril de 1978)
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TORREENSE
para o cão Rublo
-//-
Gosto deste lume gosto destas algas
com a sua lareira de vermes
porque o cheiro do cão sobe aos livros
as portas fecham-se e abrem-se sobre o dorso canino.
O cão é o craque da casa.
Casa de cão vestida.
Casa com aroma de esponjas
cão lindo de trevas.
Animal com manhas de açúcar:
tudo vai e vem à boca do cão.
Oh cão perdoa-me.
Já não tenho alma suficiente
para incendiar a tua vida,
de bicho à chuva das palavras,
sempre doido por rua.
-//-
Cão, oh cão chama-me bruto sem vinho
e trata-me por amigo.
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Torres Vedras -- 29 de Junho de 1985
(in "O LIVRO DO CÃO", Mic. Estoril
-- Fevereiro de 1991).------------------------------ ------------------------------ ------------------------------ ------------------------------ ------------------------------ ------------------------------ ------------------------------ ------------------------------ ------------------------------ ------------------------------ ------------------
Gosto deste lume gosto destas algas
com a sua lareira de vermes
porque o cheiro do cão sobe aos livros
as portas fecham-se e abrem-se sobre o dorso canino.
O cão é o craque da casa.
Casa de cão vestida.
Casa com aroma de esponjas
cão lindo de trevas.
Animal com manhas de açúcar:
tudo vai e vem à boca do cão.
Oh cão perdoa-me.
Já não tenho alma suficiente
para incendiar a tua vida,
de bicho à chuva das palavras,
sempre doido por rua.
-//-
Cão, oh cão chama-me bruto sem vinho
e trata-me por amigo.
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Torres Vedras -- 29 de Junho de 1985
(in "O LIVRO DO CÃO", Mic. Estoril
-- Fevereiro de 1991).------------------------------
ODISSEIA AO SALTAR DA CAMA
Acordei no Pragal em casa de Luís e de Maria,
no leito da pequena Tânia que foi passar o domingo
Acordei cercado de desenhos muitos e lindos que
parecem bocas arraçadas de morango,
bonecos rápidos saídos da terra,
aviões feitos de alma.
Em baixo ouve-se um cão comunista opondo-se
ao silêncio.
Ontem disse os meus poemas bebendo água:
eram quatrocentas pessoas
na Sociedade Filarmónica Piedense
a ouvir o barulho das minhas terraplanagens,
e vi gaivotas voadas nos olhos de muita gente.
Acordei agora mesmo no Pragal a pensar
[nos vates do Chiado
que (nas cinco livrarias da rua)
vendem onze livros aos amigos, e
são felizes por terem tanto público!
Na varanda cintila um branco moinho de
papel entre pedras minúsculas.
Pudesse a minha vida ser a cópia desse brinquedo:
acordar sempre no meio de desenhos que cantam e
sobem às paredes; ser um eterno lenhador
sentir-me bem à janela.
-//-
sei agora que a poesia é a raiva de fazê-la.
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Pragal -- 23 de Julho de 1978
(in livro de poemas
"COMPRA-ME UM DOIDO".
Capa / Fernando Grade
Foto / Manuela Ferreira
Revisão / Pedro Gonçalo Grade.
Edições Mic
Estoril, Novembro de 1988)
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O TANGO DA CHUVA
M. R. Bulhoz era ciumento
e em outros muitos outros negócios de ver
procurava rodas e roldanas febris
por dentro do vento
à flor dos ossos
e por vezes, olheirento, pensava:
a água lava todas as cicatrizes.
M. R. Bulhoz mostrava-se um animal de viagens
rancoroso como todos os amorosos diabólicos.
E refugiava-se na sala dos morcegos
onde a música sabe a bolor preto
pêssegos ratados
e terra húmida de ocra
mas sonhava que os nervos dão flor
como as cabeleiras das raparigas
[da Andaluzia.
Bicho perverso, M. R. Bulhoz lasca
mais puros e tem medo
-- tem medo porque sabe que
o mar tem sanfonas e crisântemos
e as sereias, agora, besuntam os olhos
com excrementos de gaivota.
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Estoril -- Setembro de 1981
(Ibidem)
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CAMAS EM BRUXO
(Arte Maior)
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Quatro pés cresceram pela cama fora;vão de beijo à ré, sete lenços no ar.
A dona da cama foi de barco embora,
vai tonta de abraços, não lhe vou chegar.
tenho as meias rotas, sou de muitos fados.
Parto os gestos todos, minha pobre lenha
de morrer aos poucos, em tantos bocados!
vinham velhas damas, sinas de lacrau,
ver meu corpo ungido por manhas de seda.
surgiam mostrengos do fundo das casas,
e a rosa que foi ao chão já tinha asas.
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Estoril (1989)
-- 31 de Julho / 1 de Agosto
"A MINHA PÁTRIA É O SÁBADO".
Capa e respectivo desenho
da série "TEORIA DAS MULTIDÕES"
/ Fernando Grade.
Aparato gráfico e revisão
/ Atelier Edições Mic.
Edição nº. 67.
Edições Mic -- Colecção Salamandra / 15.
Estoril, Novembro de 1989.
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OS GREGOS
-//-
para a Conchita Bonafuente
-
"Os Gregos economizavam o seu dinheiro com um cuidado
com um cuidado quase maníaco e um dia Monique descobriu
porquê. Eles economizavam o seu dinheiro para um dia poderem
voltar à pátria e comprar um olival".
(Grace Metalious)
-//-
Os Gregos
-- que tiveram na caça às cobras
um desporto muito intelectual --
deram-nos tudo:
o sal
o olho filosófico
a gramática
o cu nu
e até uma noção pouco metafísica de porta-moedas.
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Tetuan -- Verão de 1973
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(in livro de poemas
"O VINHO DOS MORTOS"
-- 5ª. Edição, Universitária Editora,
1977-1979-1985-1986-1999).
5º. Edição: capa e desenhos das séries
"TEORIA DAS MULTIDÕES"
e "SILHUETAS LATINAS" /
Fernando Grade.
Revisão / Pedro Gonçalo Grade /
Ester Pintasilgo.
Lisboa, 1999.
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"Os Gregos economizavam o seu dinheiro com um cuidado
com um cuidado quase maníaco e um dia Monique descobriu
porquê. Eles economizavam o seu dinheiro para um dia poderem
voltar à pátria e comprar um olival".
Os Gregos
-- que tiveram na caça às cobras
um desporto muito intelectual --
deram-nos tudo:
o sal
o olho filosófico
a gramática
o cu nu
e até uma noção pouco metafísica de porta-moedas.
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Tetuan -- Verão de 1973
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(in livro de poemas
"O VINHO DOS MORTOS"
-- 5ª. Edição, Universitária Editora,
1977-1979-1985-1986-1999).
5º. Edição: capa e desenhos das séries
"TEORIA DAS MULTIDÕES"
e "SILHUETAS LATINAS" /
Fernando Grade.
Revisão / Pedro Gonçalo Grade /
Ester Pintasilgo.
Lisboa, 1999.
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