domingo, 10 de março de 2013

Hoje

Hoje, num dia normal,
daqueles iguais a tantos dias,
encontrei-me.
Percebi o quão importante
é ter um dia normal.
Ainda que após a labuta,
a casa tenha chegado cansada,
os pés doendo, neurónios aflitos,
cheguei cantando.
Porque a vida merece,
e mais ainda mereço eu.
Que o fim do dia seja feliz,
e um sorriso me acompanhe o adormecer,
e nos sonhos altos da noite,
tenha estrelas e sóis encantados,
e principes e cavalos alados,
castelos, palcos, travessuras,
multidões...
ah!, que nunca me vejo solta das gentes!
Gentes fazem de mim o mais que sou,
corações fazem de mim o que dou,
e ausências fazem de mim saudade...
Hoje, num dia normal,
lembrei-me de ti,
dos dias normais que me davas,
dos risos e malabarismos de palavras,
sisudos segundos, horas alegres!
Que o venta não traz lá disso,
as poucas coisas de pouco,
nem tristezas nem choraminguices,
traz apenas o olhar com que me levaste,
o gesto quente da mão de homem,
e a paixão com que me amavas.
Hoje, num dia normal,
trouxe nos olhos sem que ninguém visse,
labaredas de passado,
água que sobejava do espirito.
Solta prega do destino que contive.
Porque por ti chorei já muito,
que o negro por vezes te reflecte,
sem que seja só um gosto.
E as flores que te ponho aos pés,
São mesmo para ti,
sinceras, como sabes que sou.
E o meu coração,
esse que durante anos foi só teu,
ainda que não me acreditasses,
ainda o trago por dentro dilacerado,
e não é fácil admitir...
que o orgulho também tem voz.
Hoje, num dia normal,
ouvi o tempo todo,
de mim para mim,
que tenho todo o tempo do mundo,
mas não o preciso...
preciso apenas de nenhuma saudade,
para que o coração voe onde quer ir,
para que o deixe naufragar noutro peito,
e me faça de novo vida sentir.
E segura por dentro me sinto,
(que hoje sentir é o predicado)
que sem volta que tens em vida,
preciso menos de memórias,
e mais de futuros,
que o presente hoje é solidão,
e mentol no espirito,
e não preciso disso.
Hoje, num dia normal,
pousei da luta os sinais,
e abracei o futuro que me deixaste,
beijei-o de mãe que precisava,
senti-lhe a voz ecoar na minh'alma,
e ouvi tudo o que tinha p'ra contar.
Vimos luzes, o sonho do natal,
uma arvore no escuro a cintilar...
que luzinhas tremeluzentes,
eu hoje não precisava,
mas ele precisa de mim...
e dei-lhe presentes que não pode ver,
mas sei que um dia os vai encontrar,
quando sozinho na idade perceber,
que cada palavra que lhe ouvi,
foi sinónimo de o amar,
e que cada gesto que consenti,
foi para que ele me pudesse agarrar.
E extasiada de tanta loucura,
que me traz o diariamente,
entre dureza e clausura,
do passado no meu presente,
senti de novo, um torrente,
de pensamentos que findam o dia,
que trazem lágrimas,
e também alegria...
e já nem me lembro das agruras,
que quem sabe um dia provei,
nem de discussões nulas,
que durante o dia me dei.
Importam-me amigos,
pessoas seguras,
o meu avô que esteja bem,
a minha avó que ande contente,
e os demais que preciso para sempre.
Hoje,
descobri que não perco ninguém,
não posso nunca perder alguém.
Porque chegar a casa e ter por perto,
os sorrisos, e não um deserto,
os corações cheios de alma cheia,
e trocadilhos que meu ascendente me brinda,
"és servida, ontem?", me disse,
calvo grisalho, com malandrice!
Não posso perdê-los,
preciso-os p'ra sempre!
São quem me guia,
a lanterna, a semente,
quem me ensina a ser gente!
Hoje foi um dia normal,
onde cheiro a perfume,
foram mãos coladas num abraço,
um sorriso foi um selo de um postal,
e um olhar as margens do meu hino.
Hoje, não foi um dia banal.
Foi mais um dia do meu destino.


Cátia Mendes 
(Poeta Portuguesa)

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