Poemas integrados no signo "MEU AMOR NÃO SEI QUANTOS DOSSIER MOI" para partilhar com quem lê.
CILINDRO NOS OLHOS
Curvada sobre os olhos uma mulheronde brilha o seu (deles) cilindro, árvore física
de um rosto destruído pelas mãos.
Um corpo de cidra e de saibro
onde dorme -- já cansada -- a mula mais veloz
do povoado: a neve, o coração de neve
há-de chegar em forma de guitarra,
nas letras espantadas de um jornal qualquer.
Amanhã no Rossio à hora do almoço
um homem pacato compra o jornal ao coxo:
"Olha lá em Bragança a neve já chega ao tecto?
Já roeu os pássaros?"
Fernando Grade
DESENHO "SILHUETAS LATINAS" DE FERNANDO GRADE |
NOTÍCIAS DE UM MUNÍCIPE
-- LAGAR DO AZEITE --
à memória do grande pintor
Joaquim Rodrigo
A azeitona desloca-se para cima,
torna-se luz, candelabro de
noivos desnudos.
O azeite esmagado por lábios
de medusa. Circo
de muitas pedras romanas.
Passagem do tempo e
muitos vírus, bactérias musgosas.
Língua de pedra
(onde meses alguns antes)
Oeiras via
pintores
a pintarem
a cor dos ventos.
As tintas e as borras
eram carne d'
aves.
Fernando Grade
Oeiras e São Julião da Barra
-- 13 de Junho de 2011
PINTURA A GUACHO "TEORIA DAS MULTIDÕES" | DE FERNANDO GRADE |
O SOM E A PALHA
Ouço todas as tardes em Amsterdam
um martelo de plástico
a destruir um muro feito de pedra rija.
Música repassada de água
como os bichos no meio do feno
ou apenas uma romã.
Gesto polaco
algures nas floresta do Norte.
E todas as tardes o martelo vai e
vem sobre o musgo seco.
A pedra, sim, está por baixo e contente,
na sua felicidade de ser pedra
eternamente.
Fernando Grade
Amsterdam -- 1971
ÀS VEZES FICO A PENSAR QUE
Ás vezes fico a pensar que
a música vai morrer à tarde
ao fundo da casa. Britten será apenas
(ou ainda?) uma recordação muito leve
como um pardal embalsamado
um lenço a cheirar a rosas
ou sete cabelos loiros
que a namorada deixou
nas pedras do cais.
Tenho medo
que substituam a música
pela máquina de despir formigas.
Fernando Grade
NOITE DE DOMINGO DE RAMOS
A noite passa agora sobre os corpos
sobre a boca. Tudo dorme. As estevas arderão
à tarde? Fecho o livro como quem quebra
satisfeito os nervos da própria mão. Há um cheiro de
resina no telhado. Em que página repousam
os olhos castos? Olhar é a única defesa.
Letra a letra adormeço na raiz dos cabelos
-- lento. O tempo passa veloz, uva de
fuligem sobre as estevas.
Abril de quantos?
Fernando Grade
(Poeta Português)
(Poeta Português)
Sem comentários:
Enviar um comentário