sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

"NÃO MINTAS ÀS PEDRAS" (Edições Mic), RECENTE LIVRO DE POEMAS DE FERNANDO GRADE, QUE COMEMORA 50 ANOS DE VIDA LITERÁRIA.

Poemas integrados no signo "MEU AMOR NÃO SEI QUANTOS DOSSIER MOI" para partilhar com quem lê.

CILINDRO NOS OLHOS 

Curvada sobre os olhos uma mulher 
onde brilha o seu (deles) cilindro, árvore física
de um rosto destruído pelas mãos.

Um corpo de cidra e de saibro
onde dorme -- já cansada -- a mula mais veloz
do povoado: a neve, o coração de neve

há-de chegar em forma de guitarra,
nas letras espantadas de um jornal qualquer.

Amanhã no Rossio à hora do almoço
um homem pacato compra o jornal ao coxo:

"Olha lá em Bragança a neve já chega ao tecto?
Já roeu os pássaros?" 
Fernando Grade


DESENHO "SILHUETAS LATINAS" DE FERNANDO GRADE

























NOTÍCIAS DE UM MUNÍCIPE
-- LAGAR DO AZEITE --

à memória do grande pintor
Joaquim Rodrigo

A azeitona desloca-se para cima,

torna-se luz, candelabro de
noivos desnudos.
O azeite esmagado por lábios

de medusa. Circo
de muitas pedras romanas.
Passagem do tempo e

muitos vírus, bactérias musgosas.
Língua de pedra
(onde meses alguns antes)

Oeiras via
pintores
a pintarem
a cor dos ventos.
As tintas e as borras
eram carne d'
aves.
Fernando Grade
Oeiras e São Julião da Barra
-- 13 de Junho de 2011
 


PINTURA A GUACHO "TEORIA DAS MULTIDÕES"
 DE FERNANDO GRADE























O SOM E A PALHA
Ouço todas as tardes em Amsterdam
um martelo de plástico

a destruir um muro feito de pedra rija.
Música repassada de água

como os bichos no meio do feno
ou apenas uma romã.

Gesto polaco
algures nas floresta do Norte.

E todas as tardes o martelo vai e
vem sobre o musgo seco.

A pedra, sim, está por baixo e contente,
na sua felicidade de ser pedra

eternamente.

Fernando Grade
Amsterdam -- 1971






ÀS VEZES FICO A PENSAR QUE
Ás vezes fico a pensar que

a música vai morrer à tarde
ao fundo da casa. Britten será apenas

(ou ainda?) uma recordação muito leve
como um pardal embalsamado

um lenço a cheirar a rosas
ou sete cabelos loiros

que a namorada deixou
nas pedras do cais.

Tenho medo
que substituam a música

pela máquina de despir formigas.
Fernando Grade 
 






NOITE DE DOMINGO DE RAMOS


A noite passa agora sobre os corpos
sobre a boca. Tudo dorme. As estevas arderão
à tarde? Fecho o livro como quem quebra

satisfeito os nervos da própria mão. Há um cheiro de
resina no telhado. Em que página repousam

os olhos castos? Olhar é a única defesa.
Letra a letra adormeço na raiz dos cabelos

-- lento. O tempo passa veloz, uva de
fuligem sobre as estevas.

Abril de quantos?
Fernando Grade

(Poeta Português)




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